segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Insígnia Negra - 1ª Temporada

Capítulo 7
Os dois ainda estavam dentro do veículo, quando Mends resolveu lhe dar alguns pequenos toques e combinar uma estratégia bem simples para conduzirem o trabalho com a família em questão.
- Maurício, essas famílias esperam que estejamos trazendo alguma nova notícia ou uma resposta final sobre o assassinato de seus filhos. Nosso trabalho aqui é sermos solícitos sem que nos envolvamos emocionalmente e o objetivo é traçar a vitimologia de uma maneira mais detalhada para que possamos acrescentar dados ao perfil e dessa maneira, cada vez mais, afunilar nossas opções e assim pegarmos esse assassino.
Ótimo, agora vou ter que criar empatia. Ela mais do que ninguém sabe o quanto isso é difícil para uma pessoa como eu. Se correr o bicho pega, mas se ficar ele come. É melhor interpretar esse personagem para que ela pare de me analisar o tempo todo.
- Ok, Mends, eu imagino que isso não será nada fácil para nenhum dos lados. Então eu faço a parte solícita e você faz seu trabalho.
Ele não pode deixar de ver um sinal de interrogação bem grande em sua atitude. Estava começando a despistá-la.
É Maurício quem toca a interfone da casa.
- Bom dia! A Sra. Sandra e o Sr. Antunes. Sou o perito do DHPP e essa é nossa Analista Criminal, Srta. Mends. Nós ligamos e pedimos que pudessem nos receber para conversarmos um pouco sobre seu filho.
- Claro, vou chamar meu marido. Entrem, por favor.
De volta à sala, os pais de Iago, são quase unânimes em sua pergunta.
- Vocês já pegaram esse maluco desgraçado?
Dessa vez é Mends quem responde deixando que eles escutem pela primeira vez sua voz, pois até então sua atenção estava voltada para tudo ao seu redor.
- Infelizmente ainda não, mas acreditem estamos trabalhando duro para que possamos pegá-lo e levá-lo a justiça.
- Sabem, desde o dia que nosso pequeno Iago desapareceu, nossas vidas parou. Saímos pouquíssimas vezes à rua, a Sandra está vivendo à base de medicamentos e a maior parte do dia e da noite ela fica no quarto dele. O fato de pegarem o assassino e o fazer pagar por suas atrocidades, nos trará um pouco de alívio, mas nesse momento tudo o que enxergamos é a dor, a raiva, a revolta, o caos e a saudade imensurável do nosso pequeno filho. Nós nunca mais teremos nossas vidas restabelecidas.
Maurício se antecipa e como parte do seu teatro esboça um gesto de conforto e solidariedade aos pais do menino, mas a única coisa que compartilha com eles é sua sede de justiça. Também sente algo, que caso soubesse como é, poderia descrever como pena! Pena por não poder mostrar aquelas pessoas o fim mais do que merecido que ele daria ao assassino.
Mais uma vez ele nota a expressão de dúvida advinda da face de Mends.
- Sra. Sandra, sei que é difícil e que parte das perguntas que lhe farei já foram feitas pela polícia, mas entenda que tudo, absolutamente tudo, até mesmo um detalhe que para vocês possa parecer bobo, para meu trabalho fará toda a diferença. Eu preciso saber como foi aquele dia desde o começo.
É Antunes que começa a responder tudo o que Mends pergunta. Sua postura firme parece uma rocha, mas é sabido que aquele homem tem se mantido assim, porque a esposa precisa de sua força nesse momento. Um irá se apoiar no outro para consegui seguir em frente, mas nunca conseguirão deixar de olhar para trás.
- Bem, naquela manhã nós nos levantamos um pouco mais tarde do que de costume, pois era julho, mês de férias escolares e as nossas também. Faltavam algumas coisas para serem compradas antes da viagem que realizaríamos e decidimos sair para comprar. Era por volta das 13 horas quando fomos para o shopping almoçar. Terminamos de comer e o Iago pediu se podíamos ver os brinquedos numa loja especializada. Lembro que mesmo sendo um dia de semana o shopping estava bem movimentado, não tanto quanto aos sábados e domingos, mas o movimento era maior devido as férias. O Iago gostou muito de um brinquedo desses heróis que a garotada da idade dele gosta e que tinham acabado de lançar. Pediu se podíamos comprar um e eu disse que não, pois estávamos nos preparando para a viagem e tínhamos muitos passeios para fazer e que no retorno se houvesse uma sobra de dinheiro que daí poderia pensar no assunto.
Dessa vez é Sandra quem fala sobre o filho. Sua voz é forte, mas apresenta uma leve consternação ao ser ouvida. Era óbvio que aquela mulher havia sido marcada para sempre em sua vida e que sua confiança, em si mesma e até no mundo, fora absolutamente dilacerada, deixando-lhe apenas um vazio e uma dor intensa, refletida agora em sua maneira de se comunicar com o mundo.
- Sabe, o Iago não era uma criança marrenta, ele aceitava bem quando não dava para fazer algo que queria. Apesar de não sermos uma família com um alto padrão financeiro, nós sempre pudemos dar o que ele nos pedia, mas fazíamos questão de não acostumá-lo mal, pois não queríamos um filho crescendo sem limites e achando que podia ter tudo de mão beijada da vida. Era um menino muito bom, sempre disposto a ajudar, não era respondão, gostava da escola e era muito curioso. Sempre questionador, queria saber os porquês das coisas. Acho que por isso ele aceitava tão bem quando lhe privávamos de algo, pois era muito bem conversado.
Sandra faz uma pausa, se desculpa dizendo que não consegue mais e começa a chorar. Nesse momento nem sua voz fragilizada é possível ser escutada.
- Sr. Antunes, algo de diferente aconteceu naquele dia antes do desaparecimento do Iago? Alguém se aproximou de maneira mais inoportuna ou de forma suspeita? Algum comentário ou conversa com um estranho que pudesse lhe despertar interesse? Ou mesmo que o senhor não tenha notado nada de suspeito, mas qualquer tipo de interação com estranhos que pudesse passar de maneira corriqueira e até mesmo normal a ponto de não lhes chamar atenção?
- O shopping estava cheio, como mencionamos, mas não consigo me lembrar de nenhum episódio em particular. Quero dizer podemos ter esbarrado em alguém sem querer, mas definitivamente nenhuma interação maior do que essa.
- Alguém se aproximou do Iago enquanto vocês não estavam de olho? Interagiu com ele?
- Não, absolutamente ninguém.
Sandra interrompe nesse momento porque se lembra de algo.
- Apenas um menino se aproximou do Iago, mas era uma criança que estava brincando na loja e tinha aproximadamente a idade dele. Lembro que o Iago me perguntou se poderia ajudar o amiguinho a procurar um brinquedo que ele havia perdido e eu perguntei se era dentro da loja ele me disse que sim e eu recomendei que não se afastasse. Eu e o Antunes ficamos olhando os brinquedos, pois o aniversário do Iago se aproximava e aproveitávamos para ter uma idéia do que daríamos a ele, mas ele estava bem ali o tempo todo e diversas vezes eu o chamava pelo nome e ele respondia. Até que teve um momento em que eu vi o amiguinho brincando sozinho e então o chamei e ele simplesmente não respondeu, daí eu perguntei para o menino pelo Iago e ele disse “ele está aqui atrás nos brinquedos dos super heróis”, mas ao chegar à seção ele não estava. Comecei a entrar em pânico e a gritar por ele, mas sem resposta, percebi uma agitação dos pais na loja, cada um já foi pegando seus filhos, procurando por eles, e uma agonia começou a tomar conta de mim. O Antunes nessa hora já estava do lado de fora da loja gritando por ele. Daí eu nem sei pra onde o amiguinho foi, pois o pânico foi tomando conta e eu não conseguia mais pensar em nada.
Sandra a essa altura já está aos prantos novamente, sem condições de dar prosseguimento ao relato. Antunes assume ainda mantendo sua postura firme e continua contando tudo.
- Eu corri até a porta do shopping e alertei a segurança que imediatamente fechou as portas do mesmo e então iniciamos uma busca, mas ao certo não sabíamos a quanto tempo ele já estava sumido, para nós parece que foi em questão de segundos, pois a Sandra o estava monitorando o tempo todo. As buscas não deram em nada, a polícia já foi acionada dali mesmo e quando olhamos para o lado de fora do shopping já conseguíamos ver diversos veículos de emissoras de TV, carros da polícia, muita gente do lado de fora e também de dentro.
- Meu desespero já era tão grande que eu queria ir perguntando de um a um o que ele havia feito com o Iago. Na minha visão eram todos culpados, qualquer um deles poderia ter feito aquilo.
- As buscas não deram em nada, então prestamos depoimentos na polícia. O próprio delegado Tobias nos aconselhou a não falar com a imprensa e ficarmos em casa para no caso de um possível contato do Iago conosco.
- Os dias foram passando, o desespero e a angustia aumentando, até que um dia ouvimos pelo noticiário a morte de mais uma criança, na mesma hora nos dirigimos para o local e nem nos deixaram nos aproximar. Uma policial veio até nós e pediu se poderíamos acompanhá-la. Ao chegarmos ao IML aquele único fio de esperança que tínhamos se esvaiu e o desespero, a dor e a revolta já tomou conta assim como a certeza do porque estávamos ali também. Fui eu quem fez o reconhecimento do corpo, pois a Sandra não se agüentava em pé de tanto chorar.
- Sinto muito por sua perda, verdadeiramente sinto muito. Disse Mauricio aos pais do menino.
Sandra, chorando menos agora faz uma pergunta para Mends.
- Srta Mends, você nos disse que não é uma policial e sim um analista comportamental, correto?
- Sim, isso mesmo. Eu sou responsável por toda a análise que envolve o comportamento da vítima, do criminoso, do crime em si.
- Por quê? Por que tamanha maldade com uma criança, por que o nosso pequeno Iago teve sua vida ceifada de maneira tão violenta? Que tipo de pessoa pode fazer algo assim contra uma criança?
- Sra Sandra, sei que não vai, em momento nenhum, justificar, mas talvez a senhora possa encontrar um pouco das respostas às suas perguntas no que vou lhe dizer. A pessoa que fez isso ao Iago a as demais crianças tem sérios problemas psíquicos. É uma pessoa atormentada por algo que provavelmente aconteceu em sua vida ainda quando era criança e provavelmente ela está reproduzindo, em seus atos deturpados e violentos, o que aconteceu em sua vida.
Antunes também já não se agüenta e percebendo isso Mends anuncia o fim da conversa, agradecendo e garantindo-lhes que o criminoso pagará por seus atos. Ela entrega a eles um cartão com seus contatos e diz que se mais algum detalhe sobre aquele dia for lembrado que então, não hesitem em procurá-la.
Assim, Mauricio e Mends se despedem e saem da casa dos pais de Iago. A feição de Mends era imparcial, pois á havia lidado com outros casos de assassinatos em série. O que ela não pode deixar de notar foi que por trás de toda aquela encenação de “humanidade” do Maurício, havia um ar gélido, um mistério que permeava sua identidade, mas que ela não conseguiria penetrar, pois sua atenção e foco estavam voltados para os crimes contra as crianças em questão. Não conseguia, é verdade, deixar de pensar nesse perfil.
É Mauricio quem a traz de seus pensamentos que parecem estar tão longe. No que será que ela pensava? Seria em sua atuação, teria ela percebido tão claramente o quanto criar empatia era tarefa difícil para ele? Ou ela estaria tão consternada com tudo o que viu e ouviu que se perdera dentre aqueles breves segundos?
- Mends, podemos ir? Ainda temos mais duas visitas agendadas. E nosso próximo destino é a casa do casal Fasoli, que fica na região de Pinheiros.




Direitos Autorais Reservados à criadora e escritora A. Mendes, protegido pelos termos da lei 9610/98.

Cópia, Reprodução Parcial e/ou Integral da Obra, bem como sua utilização em qualquer canal de comunicação sem prévia autorização da autora está sujeito às penalidades garantidas por lei.